Em um mundo onde a democracia é celebrada (ou, pelo menos, performada) como o ápice da civilização, o Boi Caprichoso de Parintins parece ter adotado um modelo de governança tão peculiar quanto seus espetáculos: a “aclamocracia”.
Sim, você leu certo. Enquanto o Brasil se desgasta com urnas eletrônicas, campanhas intermináveis e debates acalorados, o legendário bumbá azul e branco resolveu seus problemas de sucessão presidencial da forma mais eficiente possível: deixou de ter eleições.
A última vez que os sócios do Caprichoso puderam escolher seu líder nas urnas foi em 2016. Para colocar em perspectiva, em 2016, a palavra “pandemia” era algo distante, ninguém sabia o que era um “cancelamento” nas redes sociais e o conceito de “fake news” ainda era chamado pelo seu nome de batismo: “boato”. Faz tempo.
Desde então, a agremiação adotou o método da aclamação. Rossy Amoêdo e Jender Lobato, os presidentes recentes, foram simplesmente… escolhidos. Sem votos, sem disputa, sem aquele climinha desagradável de democracia que tanto atrapalha os bastidores, não é mesmo?
E que bastidores são esses? Ah, os bastidores! Onde a política partidária, aquela mesma que elege prefeitos, vereadores e deputados, encontra seu campo fértil de recrutamento. Não é segredo para ninguém em Parintins que as presidências dos bois são moeda de troca, cabides de emprego e palanques eleitorais disfarçados de amor à cultura.
A lógica é simples e genial: um político influente apoia a candidatura (ou aclamação) de um presidente aliado. Em troca, ganha acesso à imensa estrutura do boi, à sua legião de apaixonados funcionários e ao capital político de ser “o cara da agremiação”. É uma simbiose perfeita: o boi ganha um líder “escolhido a dedo” e o político ganha um exército de foliões para sua próxima campanha. Todos saem ganhando, exceto, é claro, a tal da democracia.
E se há espaço para aclamação, que não haja para perpetuação. Ou seja, terminado o mandato de três anos, a faixa azul deve ser passada adiante – seja para um novo nome aclamado ou, na melhor e mais legítima das hipóteses, para um presidente de fato eleito, escolhido de forma soberana e democrática pelos sócios do bumbá.
Contudo, é inegável que este mesmo modelo, por mais questionável que seja, trouxe resultados palpáveis dentro da arena. No período de aclamação, o Caprichoso viveu uma de suas fases mais vitoriosas, enfileirando títulos e chegando a um quase a tetracampeonato. O processo de aclamação mostrou-se eficaz para criar uma máquina competitiva afinada e dominante, provando que, no curto prazo, a falta de disputa interna pode, paradoxalmente, gerar uma grande força na arena do Bumbódromo.
Mas, O grande espetáculo do Boi Caprichoso, portanto, não se restringe apenas à lendária disputa no Bumbódromo. O verdadeiro drama, cheio de suspense, alianças obscuras e reviravoltas, acontece longe das luzes, nos corredores do poder onde, há nove anos, decidem-se os rumos do boi sem qualquer consulta às urnas.
Que venham os jogos… ou, no caso, que venha eleição. Mas isso, é claro, seria pedir demais em uma república onde os bois são mais partidários que os partidos.
por Evair Lopes
Foto: Eduardo Melo/ Liceu Parintins