Barreirinhense é consagrada Irmã Missionária da Caridade
26 de maio de 2020Governo do AM divulga plano de reabertura do comércio com regras
28 de maio de 2020Certa vez eu fiquei duas semanas sem poder sair de casa para nada. Sabe o que é pra nada mesmo? Pois é, isso foi há muito tempo, eu ainda era criança quando isso aconteceu. Agora você imagina o que é para uma criança ficar duas semanas, preso dentro de casa sem poder sair para brincar? E olha que eu morava no interior na época, em uma comunidade pequena, com cerca de 20 famílias mais ou menos. Eu havia contraído o tal sarampo, uma doença considerada contagiosa, que pode até matar. Inclusive já havia matado muitas crianças praquelas bandas. Era década de 80, tempos bons da minha infância querida. Não foi fácil, mas eu venci a temível doença, e pude finalmente voltar a brincar pelos campos e tomar banho de rio. Oh, tempo bom, que não volta nunca mais. E quem diria, em pleno século 21, eu viveria, pra passar por tudo isso de novo. Com uma diferença, desta vez, não precisei ficar doente, para ter que ser obrigado a ficar trancado em casa. Forçado por conta de uma doença, que começou lá no oriente e se alastrou pelo mundo.
O tão esperado ano de 2020 mal começou e todos já acompanhavam pela TV, os casos e as mortes, em países considerados de primeiro mundo. Imagina se estava acontecendo lá, do outro lado do mundo. Que garantia que tínhamos que não ia chegar aqui no Brasil, no Amazonas, e porque não em Barreirinha?. Pois é, demorou mais chegou. Assistimos por quase 30 dias o sofrimento de famílias inteiras sendo dizimadas por conta dessa praga que é o coronavírus, nas principais capitais do Brasil, e principalmente aqui no estado do Amazonas.
Manaus passou a ser notícia em rede nacional. Mortes e mais mortes todos os dias. Corpos sendo enterrados em valas, porque não havia mais espaço para tantos caixões nos cemitérios. Muitos ainda chegaram a dizer calma, estamos bem aqui, não vai chegar aqui no interior. Foi só fechar a boca e os primeiros casos positivos começaram a surgir na cidade vizinha de Parintins. Daí a primeira morte, depois a segunda, e depois a terceira, e mais casos e mais casos, todos os dias sem parar.
Barreirinha resistiu até onde pôde. Barreirinha seguiu sem registrar um caso se quer até final de abril. Mas, maio chegou, e chegou com o anúncio dos dois primeiros casos positivos. Pessoas começaram a serem testadas, e junto com tudo isso, vieram às restrições, de circulação de pessoas e o toque de recolher na cidade. A obrigação do uso de máscara, de distanciamento e de isolamento social.
O comércio passou a funcionar com regras, apenas os serviços e produtos considerados essenciais podiam funcionar, e os demais foram obrigados a fecharem as portas. Um verdadeiro impacto, para quem estava acostumado ao livre comércio, comércio, diga-se de passagem, forte e movimentado para todos os setores.
Com os setores considerados não essenciais parados, restou apenas à obrigação de obedecer aos decretos municipais e estaduais, que proibiram também o transporte de passageiros em quaisquer circunstancias, ficando permitido apenas o transporte de cargas e encomendas para abastecer a cidade e interior, com insumos de primeira necessidade.
Não demorou muito e o município infelizmente registrou sua primeira baixa, a morte da primeira vítima pela tão temida Covid-19 (coronavírus). Daí pra diante, foi só medo e preocupações. A cidade passou a adotar o chamado Lockdown, termo em inglês que significa Fechamento Total. E o que parecia não ter como piorar, só piorou.
Pessoas obrigadas a ficarem trancadas em casas em isolamento social, e o comércio funcionando apenas com sistema de entrega em domicílio (delivery), um verdadeiro deserto urbano.
Pois é minha gente, tempos difíceis. Tempos de recolhimento, tempos de provações. Agora imagine a cena: uma cidade do interior, com pouco mais de 32 mil habitantes, composta por 14 distritos, dezenas de comunidades e agrovilas e mais uma área indígena com mais de 60 aldeias. Não precisa desenhar para entender que o povo mais humilde é quem mais está sofrendo com todo esse processo. Não apenas os que residem nas comunidades, mas também muitos da cidade, que dependem de seus afazeres diários para sobreviver, mas que agora, por conta dessa pandemia, mal tem o básico para se alimentar, isso quando tem.
Com o comércio fechado, quem pode pede suas compras no delivery, mas e quem não pode? Quem não tem de onde tirar, como faz? Muitos sobrevivem apenas com o apoio do Bolsa Família, outros nem isso tem. E os nossos irmãos das comunidades rurais? Que precisam comprar seus mantimentos e pagar suas contas na cidade? São questionamentos que pairam no ar. São perguntas sem respostas. São sofrimentos sem fim, por conta dessa desgraça de pandemia.
A prefeitura decidiu prorrogar o Lockdown por mais 15 dias, para tentar conter o aumento do número de casos, que cresce a cada dia. Ok, mas será justo manter o comércio essencial fechado? Prejudicando ainda mais os nossos cidadãos, nossos irmãos humildes da cidade e principalmente quem reside no interior?
Por conta do novo decreto municipal 175/2020, foi permitida a reabertura da casa lotérica, da agência dos Correios e da rede bancária do município, com a justificativa de que os cidadãos precisam receber seus pagamentos.
Até aí tudo bem, mas se esqueceram de um detalhe: como nossos irmãos do interior vão usar tais recursos, se não podem pagar suas contas no comércio e nem fazer seu rancho mensal de cada dia? De que adianta abrir os bancos, se o comércio local continua fechado para compras normais? Mas ainda tem uns ignorantes que vão dizer: compra no delivery!. Gente, como o povo do interior vai comprar no delivery, morando nas comunidades rurais? Na cidade o comerciante ainda dá um jeito de entregar para quem pede, mas no interior não tem como. É preciso se colocar no lugar do outro, e entender que o comércio essencial precisa reabrir para atendimento ao publico também, principalmente por conta dos nossos irmãos do interior, que gostam de escolher seus produtos na prateleira, que precisam pagar seu crediário aos seus credores e não estão fazendo porque não conseguem.
Vamos imaginar aqui outra situação: imagina uma criança com fome te pedir algo pra comer e você não ter como ajudar? Seu filho chorando de fome porque não tem o que fazer pra comer? Dói na alma não poder fazer nada, a não ser respeitar as restrições impostas. Pois é, é isso que está acontecendo com muitas famílias Barreirinhenses e muita gente não sabe. Agora imagina: o comerciante ter a mercadoria na loja e não poder vender porque o cliente não pode entrar? Porque é exatamente isso que tá acontecendo. Outra coisa é inadmissível que os comerciantes sejam chamados de inescrupulosos, gananciosos e egoístas. Quando na verdade só estão pensando no bem estar dos povos do interior.
O povo do interior tá vindo pra cidade fazer compras, pagar suas contas no comércio e não pode, porque as lojas estão fechadas e ninguém pode entrar. A grande maioria do caboclo do interior não entende de tecnologia, o caboco do interior ele não sabe usar o cartão ou aplicativo pra pagar ou fazer compras. O caboclo do interior ele usa dinheiro vivo. Ele vem pra cidade, ele entra na loja, ele escolhe os produtos, faz suas compras, paga no dinheiro e vai embora.
É triste ver que muitos estão voltando para suas comunidades sem seus mantimentos, simplesmente porque não podem entrar nas lojas e nem esperar do lado de fora, por conta das restrições. Ok, não dá pra abrir em 100% o comércio, tudo bem. Vamos reabrir pelos menos durante um período do dia. Tipo de 6 da manhã às 3 da tarde pelo menos. Agora o que não pode é deixar o comércio inteiro de portas fechadas e continuar prejudicando nossos irmãos das comunidades rurais.
É preciso que o Poder Público, Comerciantes, Ministério Público, Defensoria e Sociedade Civil Organizada encontrem uma saída, o que não dá é para continuar como estar, ah, isso não dá. Vidas precisam ser preservadas, isso ninguém discorda, mas é preciso também dá o mínimo de esperança e dignidade ao nosso povo tão sofrido. Principalmente os do interior, por vezes tão esquecidos e abandonados. Prefeitura precisa urgente liberar a reabertura do comércio essencial, pelo menos de maneira parcial, exigindo o uso obrigatório de máscara, manutenção do distanciamento e todas as medidas de segurança sanitária sim, mas com o comércio essencial aberto e funcionando para atender aos nossos irmãos das comunidades rurais.
Autor do artigo: Ariramba solitária